A Babel do Jiu-Jitsu
Brasileiros organizam primeiro camp do esporte e atraem estrangeiros em massa para Búzios.
Andréa acordou por volta das 9 horas da manhã. Era sua primeira vez no Brasil e ela queria aproveitar o máximo cada dia naquela maravilhosa casa de frente para o mar azul da belíssima praia de Geribá, em Búzios, no Rio de Janeiro. O trabalho como webdesigner no México era puxado e essa viagem de férias tinha vindo bem a calhar. O ambiente era maravilhoso, o clima perfeito, as amizades sinceras e o povo super hospitaleiro. Era mais um dia tranqüilo, ninguém havia acordado ainda e, após um farto buffet de café da manhã, Andréa resolveu dar uma caminhada sozinha. A casa ficava na areia e só alguns passos a separavam de um mergulho rápido no mar. Retornando à casa uma hora depois, o clima, repentinamente, se transformou por completo. Andréa foi surpreendida em plena sala com vários ataques sucessivos. Homens mais fortes e ágeis do que ela se revezavam em uma sessão que pareceu durar no mínimo uma hora. Ela foi jogada de um lado para outro, seu braço foi torcido e o pescoço estrangulado quase até a inconsciência. Suando, exausta e ainda zonza pelo esforço, a mexicana consegue se levantar e então... agradece com um enorme sorriso a cada um de seus “agressores”! Ou melhor: professores.
Não, Andréa não é louca, e tampouco participava de um spa sadomasoquista no balneário de Búzios. Ela era apenas mais uma das dezenas de alunos satisfeitos do Brazilian Black Belt Jiu-Jistu Camp, organizado pelos faixas-pretas cariocas, Felipe Costa e Rodrigo Comprido.
Criado em 2004 e voltado para o público estrangeiro, a intenção era oferecer uma experiência de alto nível a praticantes de jiu-jistu de qualquer ponto do planeta. Hoje, o BJJ (Brazilian Jiu Jitsu) Camp, como é mais conhecido, está na sua quinta edição e é cada vez maior o número de inscrições em sua página na Internet. São centenas de adeptos da arte-suave vindos dos mais variados locais atrás de aprendizado técnico de ponta na vertente mais popular e respeitada da modalidade, o Brazilian Jiu-Jitsu, e um atendimento pessoal garantido por alguns dos mais graduados lutadores do mundo.
“Estávamos quase nos formando em nossas faculdades e sem perspectivas de trabalho dentro do esporte. Quem queria seguir uma carreira profissional tinha que abrir uma academia lá fora ou seguir uma incerta carreira nos torneios de vale-tudo. Não era o que a gente queria”, conta Comprido. Indo na contramão do estereótipo do lutador de jiu-jitsu violento, brigão e sem nada na cabeça, os dois resolveram pôr à prova seu lado empreendedor e começaram a definir o conceito do primeiro camp de jiu-jistu do Brasil. Inicialmente, seguiram o modelo dos esportes profissionais americanos. Lá, durante a pré-temporada, alguns jogadores se hospedam em centros de treinamento -os chamados training camps - por algumas semanas, onde assistem a palestras com profissionais, participam de treinos específicos, coletivos e aperfeiçoam suas habilidades.
O local escolhido pelo Brazilian Black Belt foi a casa de veraneio da família de Felipe. É uma casa paradisíaca localizada nas areias da praia de Geribá, com sete suítes, sauna, piscina e duas grandes salas onde são montados os tatames para as sessões de treino. Visando um atendimento personalizado ficou definido que o camp receberia, no máximo, quinze alunos a cada uma de suas edições semestrais com duração de dez dias. O cronograma de atividades foi definido assim: às sete horas é servido o café da manhã. Depois, tempo livre para praia e, de dez e meia a meio-dia, treino matutino. Almoço e folga pela tarde, com treino de revisão às dezoito horas emendando com aulão às dezenove horas. Oito e meia é servido o jantar e, então, se encerram as atividades oficiais do dia. Mas, para os mais empolgados -e solteiros - uma voltinha no centro sempre rola. Além dessa rotina pré-estabelecida acontecem ainda visitas a outras praias e passeios de barco pela região.
Pelo pacote completo, que inclui hospedagem, aulas, alimentação e até mesmo o traslado de ida e volta do aeroporto, o aluno desembolsa U$ 120,00 de diária. Merreca para quem ganha em dólar ou euro, ainda mais se considerarmos que uma aula particular de uma hora, nos EUA, sai por pelo menos U$100,00.
Os criadores do BJJ Camp formam uma dupla de sócios curiosa: carregando há anos o apelido de “Magrinho”, Felipe já foi Bi campeão mundial na divisão Galo, a mais leve das categorias de competição. Seu amigo Comprido, do alto de seus 1,90m e 90 kilos, já levantou por sete vezes o troféu de campeão mundial, duas delas na principal categoria, a Absoluto. Ambos se conheceram no tatame há mais de 15 anos, e estreitaram os laços de amizade entre extenuantes sessões de treinamento, viagens e competições. Além de seus próprios currículos irretocáveis, os dois fizeram questão de convidar alguns professores e amigos do mais alto gabarito para ajudar no atendimento aos alunos. São atletas do calibre de Demian Maia, campeão do conceituado ADCC (Abu Dhabi Combat Club), realizado nos Emirados Árabes. Com ele, pelo menos outros cinco faixas-pretas de renome se hospedam na casa pelo período de duração do evento, inclusive a campeã Michelle da Cunha, que dá uma atenção especial às meninas que comparecem ao camp em número cada vez maior. A idéia é que haja sempre pelo menos um instrutor para cada três alunos. “Além do atendimento personalizado, queremos propiciar um intercâmbio real entre hóspedes e equipe, não só durante as aulas, mas também na hora das refeições, na praia ou nos passeios de grupo”, completa Comprido. Este convívio contribui na evolução técnica do aluno, e também faz com que verdadeiros vínculos de amizade sejam formados, tornando o ambiente mais agradável e a experiência do aluno digna de repeteco. Tem gente que já está voltando pela quarta vez e, graças à atmosfera agradável que rola na casa, alguns já estão levando as namoradas. Ken Van Gilbergen, da Bélgica, esteve na última edição com a “patroa” e destacou justamente esse misto de férias e treino que o BJJ Camp propicia. “Foi uma experiência fantástica para nós dois. Eu pude treinar para o Internacional de Masters e Seniors, que ganhei, e minha namorada se divertiu com o pessoal da casa em atividades como mergulho, passeios e caminhadas na praia. Tudo isso em um cenário deslumbrante!”.
E não é só o bom-humor e a gentileza dos responsáveis pela organização que impressionam os freqüentadores. “Muitas vezes, o melhor instrutor de jiu-jitsu no país deles é um faixa-azul. Quando o aluno chega aqui e vê que está sendo recebido em pleno aeroporto pelo Comprido, um campeão mundial que já deu aula até para o Sheik dos Emirados Árabes, e que vai dividir o mesmo teto que ele por dez dias, o cara não acredita”, se diverte Felipe, cuja própria humildade e amizade ao recepcionar os participantes é motivo de elogio e agradecimentos em comentários vindos do Japão, Finlândia, Escócia e Suécia deixados no site do BrazilianBlackBelt.com . Só na última edição, realizada em Maio, foram representantes de nove nacionalidades diferentes convivendo com os instrutores dentro da casa.
O instrutor Bernardo Otero, que esteve presente em todas as edições do evento, acha que esse tipo de relação aluno/ professor promovida pelo camp quebra uma imagem que alguns alunos tem antes de chegar ao Brasil: “Eles acham que por ser um campeão mundial, que eles vêem direto nas revistas especializadas e programas de TV, o professor vai ser um cara sério, marrento, inalcançável. Mas logo de cara percebem que são todos brincalhões, extrovertidos e totalmente acessíveis. Acaba virando uma grande família do jiu-jistu na casa.” Esse amor em comum que todos têm pelo esporte é o principal fator de união e do clima de paz dentro da casa. “As culturas são bem diferentes e muitas vezes a relação histórica entre alguns países não é tão boa. Sabemos que rivalidades existem, mas mantemos o clima leve e agradável e lembramos que, assim como nós, eles estão representando seus países”, diz Comprido.
O fato de estarem representando o Brasil para dezenas de estrangeiros que, quase sempre, tem pouca ou nenhuma informação sobre o país também é uma preocupação constante para os organizadores e, em alguns casos, uma dificuldade. Certa vez, um aluno perguntou se precisava levar talheres para o Brasil. Mas a falta de conhecimento não é o pior. A má fama que alguns brasileiros, inclusive profissionais do jiu-jistu, criaram no estrangeiro faz com que os responsáveis pelo BJJ tenham que realizar um trabalho dobrado, tendo que limpar a imagem do país para depois então construir sua boa reputação. O californiano Robert Lovi, faixa-marrom, era um dos que temiam pelo pior. Ao chegar no aeroporto Tom Jobim, onde seria recepcionado, não encontrou seus anfitriões de imediato. Felipe e Comprido tinham ido deixar no carro um outro membro que havia chegado minutos antes. “Quase entrei em desespero. Eu, sinceramente, esperava pelo pior. Achei que ia ser enganado ou que iam tirar vantagem de mim de alguma forma. O pessoal envolvido na realização do camp mudou totalmente meus conceitos. Desde que voltei já recebi Felipe em minha casa, assim como o lutador Jacaré, que conheci no camp, também re-encontrei os professores Comprido e Ratinho aqui nos EUA. Fiz amigos para a vida inteira!”
O profissionalismo do grupo, aliado aos vínculos de amizade que se estabelecem a cada edição, acabam por render bons frutos também para os instrutores. Felipe e Comprido já foram convidados para dar diversas aulas e seminários em países da Europa e nos Estados Unidos. “Nosso próximo passo é levar o BJJ Camp para outros estados e já estamos também com um projeto de aulas de jiu-jistu para cegos, no Instituo Benjamin Constant, que já acontece a alguns meses e tem sido um sucesso”. Nossos embaixadores do Brazilian Black Belt continuam quebrando paradigmas e derrubando preconceitos enquanto divulgam a verdadeira imagem do jiu-jistu brasileiro para o resto do mundo.
André Fran.
quarta-feira, maio 09, 2007
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